A  castanha foi alimento primordial na cadeia alimentar humana em tempos  idos, quando a miséria era tanta como os piolhos, sendo gradualmente  substituída e marginalizada pela introdução de outros produtos, em  especial a batata e o milho. Foi mantimento básico, insubstituível, até  ao século XVI, importância que se prolongou nalgumas regiões até ao  século XVIII. 
    Dela  se fazia o sustento essencial, o caldo substancial, o puré de atulho, a  escolta aos demais alimentos e inúmeros pratos, tudo aos punhados. Na  mesa do pobre nunca faltava pãozinho de castanhas. 
À falta de pão
Até migalhas vão.
    Até  ao século XVII consumia-se mais castanhas do que pão de trigo e de  milho ou batatas, tanto na alimentação humana, como excelente alimento  para certos animais, em especial o porco, o carneiro e a vaca leiteira. 
    Os  soutos abrangiam compactas regiões do Norte, em especial nos terrenos  graníticos e xistosos de Trás-os-Montes e das Beiras. Na década de 1930 a  maior mancha de castanheiros preponderava em Bragança (22.400  hectares), Guarda (15.200), Castelo Branco (12.700), Viseu (10.700) e  Vila Real (10.600). 
    A  colheita da castanha decorre de Setembro a Novembro, sendo a apanha  feita por homens que varejam as árvores e rapazes que apanham os  ouriços, por vezes ajudados pelas mulheres, a esgadanhar na batalha pela  vidinha, o estômago precisa tanta pitança como o espírito. 
Se o castanheiro falara
Ele dissera o que viu;
Debaixo da sua sombra
Dois amantes encobriu.
    Hoje  a castanha encerra, tão-somente, um carácter simbólico e folclórico  residual associado às festas do Outono e nas celebrações dos Santos,  Fiéis Defuntos e S. Martinho. Já não é festim à tripa-forra em mesa de  cristãos e mouros, nem umbigo do mundo.
    O vocábulo magusto tem uma origem controversa, sem certa certeza. Mas virá do latim magnus ustus, «grande fogueira, queimado», e tem correspondência no galego e no asturiano magosto.  Magusto, que hoje designa tão-só as castanhas assadas, definia  antigamente a própria fogueira onde alabaravam as ditas, o que está  conforme com a etimologia. 
    As  tradições que ocorriam por esta altura eram variáveis, embora com  algumas pontes comuns, verdadeiras refeições cerimoniais. Outrora, ainda  no início do século XIX, em algumas regiões do Norte, os festejos  associados à castanha principiavam no dia de S. Simão e S. Judas Tadeu,  comemorado a 28 de Outubro, ponto de partida para as merendas  prazenteiras de castanhas assadas que se prolongavam até ao S. Martinho.
Em dia de S. Simão, 
Quem não faz magusto 
Não é cristão.
    O dia de Todos-os-Santos, igualmente dedicado ao antiquíssimo costume de pedir Pão por Deus,  o qual remonta à Idade Média, está, também, relacionado ao magusto,  comido à lambardana, a boca a manducar de prazer, masca que masca. 
A castanha tem uma manha, 
Vai com quem a apanha.
    Assim, em muitas localidades de Trás-os-Montes era festejado nesta ocasião o “Magusto dos Santos”,  com romarias do poviléu, trupe que trupe virado ao campo, a pilhar  castanhas, assando-as de seguida em fogueiras de carqueja, chamiça e  sargaço, improvisadas no remanso da pulsação ao ar livre. Tudo bem  regado com vinho palhete ou água-pé de canjirão, até tombarem para o  lado, no poisar mansinho do torpor da fadiga báquica antes do sol-pôr. 
Dos Santos a S. Martinho 
São onze dias de pão e vinho.
    O  magusto de 1 de Novembro era uma quase obrigação social e festiva, um  arraial pegado para as populações do Norte de Portugal, a cabriolar como  faunos e ninfas, numa alegria indizível que antecedia a solenidade  profunda das cerimónias religiosas do Dia dos Finados, a carregar  tristeza e borbulhão de lágrimas. O povinho é assim, da alacridade  efusiva à mágoa sentida enquanto arde um fósforo. 
Não sei se cante, se chore,
Se qual melhor me será;
O cantar alivia penas,
O chorar as dobrará.
    Em conformidade com as melhores conjecturas etnológicas aceites, o Magusto dos Santos  é a reminiscência de antiquíssimos rituais fúnebres pagãos, do tempo  dos deuses farsantes, durante os quais se faziam oferendas em géneros  alimentares às almas dos mortos, segundo essa crença arreigada voltavam  aos lugares das suas vidas anteriores, não sei se brancos como a cera. 
Alma enamorada
De pouco é assombrada.
    Nessa  altura as almas penadas tinham fome de lobo esfaimado e metiam medo  adamastórico, apaziguadas com ritos opíparos para retornarem ao limbo e à  paz do Senhor, que nestas coisas do fabuloso nada é impossível. 
    O  mandato transcendente da igreja, em parte, apropriou-se desse ritual  incarnado no Dia dos Fiéis Defuntos. O cerimonial do magusto, a fogueira  e as castanhas, são resquícios residuais de sacrifícios que já foram  grandes como a Arca de Noé.
Em dia de S. Martinho, 
Lume, castanhas e vinho.
    A  importância de S. Martinho associado à festa popular das castanhas e  como patrono do vinho e dos bêbados cresceu de tal modo e ocupou quase  todo o espectro festivo ligado aos magustos, relegando para plano  secundário todas as outras tradições e santinhos desta época. 
    Hoje,  como os demais costumes de antanho, é um mero arremedo da pujança  festiva que teve outrora, mecanicamente festejado com soberano desdém,  meia dúzia de castanhas e larachas de permeio
Pelo S. Martinho,
Rabusca o teu soitinho
E apanhas as castanhas
Faz o teu magustinho;
Vai à tua adega,
Encerta teu pipinho
E prova o teu vinhinho;
E, se te apetecer,
Vai ao teu cortelho
E mata o teu porquinho.
    Em  quase todo o Minho o dia de S. Martinho era celebrado com magustos de  castanhas assadas em fogueiras que se acendiam nos eidos e rossios das  aldeias. Festividade que se alongava noite adentro até ao cair finíssimo  do orvalho, nunca escasseava a malga de vinho verde agulhento, em  acenos lampeiros de atmosfera foliona. 
Pelo S. Martinho 
Prova teu vinho, 
Ao cabo do ano 
Já te não faz dano.
    S.  Martinho, há que ror de anos, alcançara foros de santo popular com um  conteúdo mais profundo pela analogia encavalitada com a vinhaça e a  embriaguez, faceta que iremos evidenciar noutro artigo, desde que não  seja nas calendas gregas.
Do vinho e da mulher 
Livre-se o homem se puder.
Com a devida venia a Jofre de Lima Monteiro Alves 
http://escavar-em-ruinas.blogs.sapo.pt/51341.html