quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

EM TEMPOS DE LOUCURA

Andei por terras geladas, onde a semente não pode germinar. Onde a terra treme com os paços dos gigantes. Icebergs na nebelina atemorizam os habitantes daquela terra. Procurei amigos e não encontrei, até os meus entes regelavam e nada podiam fazer. As naus dos gigantes se enchiam de mártires, que procuravam aquecer-se com o suor do trabalho das grandes caldeiras que faziam mover as naus. E de tão ocupados que estavam, não podiam falar entre si e empurravam os da frente que alimentavam as caldeiras.

Fui criado ali, puseram-me como carregador como o ventre donde nasci, longe das caldeiras e ensinaram-me a carregar. Ninguém ouvia o que eu dizia, porque não falava como eles e fizeram-me ver que era cego e ignorante, porque era cego e não me apercebia que estava dentro da barriga de uma baleia esfomeada cheia de gigantes da antiga Atlântida.

Parecia que eu não tinha nascido ali. Queria saltar pelo convés para espreitar lá para fora e puxavam-me para baixo. Olhavam-me com desconfiança, como se eu fosse um rebelde. Queria correr como os outros, talvez para aprender a fugir do perigo, e travavam-me como se eu fosse um ladrão. Nem no ventre onde fui gerado, que era a minha alcofa, me podia refugiar, pois já o tinham levado para usar como esfregona do convés.

Os que se aproximaram de mim, pareciam o meu conforto, na minha infelicidade. Mas eles travavam-me como se eu quisesse fugir e afogar-me. Criei um rebento, mas por causa do ventre que o carregou, parti a minha espinha com o peso da lenha que carreguei para as fornalhas. Cansado de alimentar o ventre insaciável que gerou o meu rebento, me irei na minha fraqueza e o ventre me acusou de malcriado e egoísta. Olhou-me mais os seus com desprezo, como se eu fosse uma fera dominadora que a quisesse devorar. Mas eu não tinha fome, mas cansaço e a vida amargava dentro de meu ventre. Parecia um veneno que me estava a levar à loucura e já estava ficando parecido com os outros. Pensei que era ali que eu tinha abrido os olhos e caído na realidade.

Já conseguia ver como os outros e gerei outro rebento noutro ventre. Mas o ventre que segurava o meu rebento se tornou amargo para mim e até os outros se tornaram amargos para mim, quando eu pensei que iria conquistar amigos, por conhecer o mundo. Perguntei ao ventre porque era amargo para mim, quando era doce para os outros. Respondeu-me que era louco e desconfiado, por isso era fera dominadora que a queria devorar. Olhei para mim e vi que era uma fera no meio de pastores que guardavam as suas ovelhas fervorosamente, para ninguém as roubar. Então perguntei furiosamente ao ventre, quem eram aquelas pessoas e quem era eu, ao que me respondeu: aquelas pessoas trabalham na grande fornalha e tu és um simples carregador que não pode abrir a boca por causa das basflémias, nem podes olhar para o teu primeiro rebento e este rebento gerado em mim também não é teu. Então me tornei pastor, mas não tinha ovelhas para trabalhar para mim e comecei eu a encher a fornalha. O calor da fornalha levou-me à loucura, juntamente com os gritos dos que trabalhavam ao meu lado. O ventre foi ter com os outros pastores dizendo que eu era um carregador revoltado e louco. Os pastores voltaram-se contra mim dizendo que eu estava a espalhar uma peste e que estava contaminado com uma doença perigosa. Fugi dali, procurei refugio no fundo do barco, longe das caldeiras. Procurei o descanso, longe de todos, tornei-me novamente carregador, o meu ventre que me servia de alcofa e companhia seria então o chão do barco. Talvez ali, eu consiga fazer um bote salva-vidas, com as ripas velhas guardadas no soalho. Para quando, lá do outro lado, as caldeiras rebentarem e afundarem a nau, eu possa fugir no bote, remando para terra amena, onde eu possa descansar no meu ventre com os meus rebentos.


'Fidalgo - Vidahumana - Junho de 2008'