quinta-feira, 5 de maio de 2011

Um caso concreto de tentativa de se tornar martir...

Segundo relatos de presos politicos, esta declaração não passa de uma  treta sem o minimo de fundamento, uma vez que Julio Freire foi considerado delator, e foi o responsável por algumas prisões no Barreiro, nomeadamente de figuras ligadas ao MDP/CDE, como Alvaro Monteiro.
Como seria humanamente possivel que alguém após tamanha quantidade de dias de tortura, (como conta) e assumindo o facto de não saber sequer onde se encontrava, conseguir recordar nomes, horas, dias, factos...
Este Julio freire é cá um artista!!!

Relato de Júlio Freire em luta pela Liberdade
Num momento em que se comemoram os 37 anos do 25 de Abril, o Jornal do Barreiro divulga um excerto retirado do livro ‘Presos Políticos – Documentos 1970 – 1971’, publicado pela Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (CNSPP), em 1972. O mesmo reflecte o testemunho de Júlio Freire, actual provedor da Santa Casa da Misericórdia do Barreiro e lutador pelas causas de Abril, sobre as torturas que sofreu às mãos dos agentes da DGS - Direcção-Geral de Segurança (nome pelo qual, a 24 de Novembro de 1969, Marcelo Caetano substituiu a PIDE).

“Um Caso Concreto de Tortura

Fazemos aqui a transcrição integral de mais um relato – um entre muitos – das torturas sofridas às mãos dos agentes da DGS. Trata-se de um documento recente de indiscutível autenticidade. Da autoria de Júlio Lopes Freire:

«Fui preso pela DGS no dia 30/6/71 às 7 horas da manhã, passaram busca no meu quarto e levaram-me para a sede da PIDE.
À noite chamaram-me para um primeiro interrogatório e depois levaram-me para Caxias onde estive até ao dia 19/7/71.
Nesse dia após a visita que tive com a família iniciaram os interrogatórios. Fiquei numa sala e durante todo o dia nada me perguntaram; apenas os agentes de guarda de vez em quando me diziam para falar para se revolver o assunto. No segundo dia entrou na sala o agente Santos Costa, por volta das 21 horas e sem me fazer qualquer pergunta puxa por um chicote e espanca-me com raiva, gritando e acompanhando isto de joelhadas nas minhas pernas; as dores eram horríveis, doíam muito mais que o chicote porque eram dadas mesmo no músculo e deixavam grandes manchas negras.
No terceiro dia de manhã voltou o Santos Costa e então numa conversa cheia de sorrisos insistia para eu fazer as declarações e depois me recomendar que eu pensasse bem anunciou que viria mais tarde. Voltou de facto, mas desta vez nem sorriu – voltou a espancar-me gritando bem alto que eu o fazia perder a cabeça e desta vez não usou o chicote era a murro e a pontapé; quando parava dizia-me: “olha é mais fácil saíres por aquelas grades do que daqui sem falares” e voltava aos espancamentos – intercalava a pancada com conversas como esta: “eu gosto muito de ser polícia e não quero abandoná-la e digo-te que se saíres daqui sem falar eu abandono a polícia: só tens uma forma de sair daqui sem falar – é sair num caixão; vais ficar aqui mais uns dias e quando andares aí de rastos vais ver se não falas; vais passar aqui tantas noites quantas forem precisas para te resolveres a falar.”
Pelo fim da tarde no dia 21 entrou o inspector Manuel Rodrigues Martins que acrescentou que eu teria de falar sobre a minha actividade política. Durante a noite entrou um pide com aspecto de 18 anos que entrou aos gritos chamando-me nomes e dizendo que eu tinha de falar senão arrebentava comigo. De braço dado comigo começou a andar às voltas na sala, em passo acelerado dizendo-me para eu gritar como ele e como eu não gritava de cada vez que eu tentava parar dava-me uma cotovelada no estômago ou no peito que me fazia dobrar; andou nisto um bocado até me deixar tonto e com fortes dores no peito e depois abandonou-me a rir gozou o espectáculo de me ver naquele estado. Esta noite de 21 para 22 de Julho foi para mim uma das piores porque a tortura de andar às voltas me deixou de facto um bocado em baixo.
No dia 22 foi mais ou menos igual, espancado pelo Santos Costa ora pelo pide pequeno.
Na noite desse dia entrou o Santos Costa com o Martins e o Mortágua e outro indivíduo com aspecto horrível cuja idade deve andar pelos 60 anos, de óculos, baixo, cabelo meio grisalho, dentes saídos – um aspecto repelente. Este polícia dizia-me que eu devia falar, eu não era mais do que uma “lesma a lutar contra um carro de guerra”.
Na noite de 23 para 24 comecei a ver muitas coisas na sala: - via bichos enormes, no plástico da porta de entrada; era um plástico com cerca de 1,5m X 80 de largo e aí eu via coisas horríveis, entre elas via-me entre grades com cara disforme outras vezes via pessoas muito amigas; andei a noite toda a passear na sala e de vez em quando um bicho que eu nunca cheguei a ver saltava-me para as costas e cravava-me as unhas, então lançava-me contra a parede esfregando-me as costas na parede e o bicho fugia escondendo-se não sei onde. Recordo-me que algumas vezes via as unhas do referido bicho, eram muitas unhas, o bicho estava agarrado ao pé da mesa mas do lado contrário ao meu e por isso eu só lhe via as unhas vincadas ao pé da mesa; nunca cheguei a perceber que espécie de bicho seria. Sabia que tudo isto eram alucinações causadas pelos dias sem dormir mas a verdade é que tudo isto me incomodava, passei muito tempo a correr com o bicho porque as suas unhas me doíam; evitava o mais possível olhar para o quadro do plástico mas os gritos que ouvia eram gritos de pessoas a serem torturadas e eram outro género de torturas que me faziam sentir pequenino no meio de tanto horror. Tenho a dizer que estes gritos eram verdadeiros tratava-se de uma gravação e o som emitido por dois auto-falantes disfarçadamente colocados em duas paredes da cela – são dois objectos parecidos com vasos – os gritos eram sempre os mesmos e por isso só me causavam efeito ao princípio depois só o barulho me incomodava.
Os fósforos tinham-se acabado e para fumar eu precisava de pedir lume ao pide que me guardava. No princípio dava-me mas depois por volta das 5 horas da manhã já não me deu mais e então a minha situação piorou – o plástico – o bicho – os gritos tudo juntamente com a vontade de fumar tornaram a minha situação verdadeiramente horrível.
Comecei a pedir lume a dois amigos meus e ouvi dizer que me iam dar um isqueiro mas ele nunca chegou: depois vi um casal amigo, pensei que estavam de férias que aquilo era uma pensão, eles estavam no quarto ao lado e a esposa disse-lhe que me ia dar lume mas afinal nunca chegou. O Pide já não era pide era uma pessoa qualquer que ali estava. Comecei então a gritar que não admitia estar ali há tanto tempo à espera de lume, assim como também de um banho.
Repentinamente sentei-me ao pé do Pide e disse-lhe: “Agora meu amigo as coisas mudaram, agora também eu mando e como prova disso recostei-me na cadeira de braços e pus os pés em cima da mesa. O Pide olhou-me e começou aos murros à mesa e cada pancada destas era como que uma granada que rebentava na minha cabeça; às tantas comecei também a bater na mesa; tantas vezes isto aconteceu que eu me levantei e disse-lhe: - “se mais alguma vez bate na mesa parto-lhe a cara”; ele levantou-se e eu lancei-me sobre ele apertando-lhe o pescoço; estava nisto quando me sinto agarrado pelas costas e foram quatro agentes que me espancaram, eu cai e então choveram pontapés nas costas, pernas e murros na cara. Deixaram-me a cara toda negra, sentia dores na cabeça e nas costas. Recordo-me também que sangrava da boca e do nariz. Depois quando já estava sentado com a cabeça para trás apareceu-me um pide que me dizia para eu falar porque ele também tinha falado e que agora estava ao serviço da polícia e estava rico, de nada valia estarmos a lutar contra a Pide porque eles tinham a força e o melhor era tratarmos da nossa vidinha.
Era uma conversa pegajosa e nojenta, chamei-lhe traidor e escarrei-lhe na cara e levantei-me a fugir mas a sala é pequena e de novo me agarraram para me baterem, fiquei novamente no chão. E novamente o mesmo pide veio com a conversa de que eu devia falar e passar-me para a polícia, voltei a chamar-lhe canalha e que todo o Barreiro havia de saber que ele se tinha passado para a Pide, chamei-lhe muitos nomes e ele pediu-me para eu não contar a ninguém, voltei a escarrar-lhe na cara e desta vez com toda a raiva vi perfeitamente o escarro com pedaços de sangue na sua cara, desta vez não tive forças para fugir e veio mais porrada. Deixaram-me junto a uma das tomadas de electricidade e então comecei a falar com pessoas amigas contando-lhes o que me tinham feito. Recordo-me perfeitamente que ouvia as pessoas a responderem-me, durou tudo isto até perto do almoço, altura em que o Santos Costa entrou com o inspector e um indivíduo que disse ser médico, tirou-me a pulsação, viu-me a cara e as costas e o pé direito que estava ligeiramente inchado. Deu-me uma pomada para pôr na cara nos sítios negros e disse que eu estava bom e que o inchaço do pé não tinha importância; retiraram-se os três e eu cá fiquei entregue ao pide que me impedia de dormir. Apesar da violência dos espancamentos dessa noite a verdade é que passei o resto do dia menos mal, passei-o a falar para a ficha que eu tinha arrancado da parede – falava com pessoas amigas mas tinha consciência do sítio onde estava.
A noite de 24 para 25 passei-a menos mal, parecia que tinha recuperado forças. No dia 25 à tarde apareceu o Santos Costa acompanhado por outro agente que me disse ser Inácio Afonso pouco depois saíram. No dia 26 de manhã apareceu Santos Costa, Martins e Mortágua e o velho horrível e a conversa foi nos termos das anteriores.
Na manhã de 27 veio novamente o agente Santos Costa com ameaças várias e depois de muita conversa saiu dizendo-me que eu não falava mas que me ia arranjar um processo para medidas de segurança, que a DGS estava a fazer uma prisão nos Açores e que talvez eu fosse um dos estreantes dessa prisão, pelo menos 5 anos ninguém me tirava.
Por volta das 22 horas e 30 do dia 27 voltei para a prisão.
Estive 9 dias e 8 noites consecutivas sem dormir.»”

Este relatório foi escrito e enviado da Prisão de Caxias e divulgado por todo o país antes do início do julgamento de Júlio Freire.